Comentários à Portaria Conjunta MPS/INSS nº 6, de 21.09.2023

2 de outubro de 2023

Anderson Angelo Vianna da Costa
Advogado previdenciarista e consultor de empresas; sócio do escritório VILELA VIANNA Advocacia e Consultoria; Administrador de Empresas, especialista em Gestão de Recursos Humanos;  Professor convidado dos cursos de pós-graduação de direito previdenciário e de direito empresarial da  UNIVALI/SC, bem como  da pós graduação em direito tributário da Universidade Positivo/PR; Autor de diversos artigos e do livro “Gestão dos Afastamentos e dos Benefícios Previdenciários”, da Editora LUJUR. O autor é também romancista, roteirista, e Comendador, pela Academia Brasileira de Artes, Cultura e História, de São Paulo.

Trazemos neste texto nossas considerações e preocupações com a nova Portaria Conjunta MPS/INSS nº 6, de 21/09/2023, publicada no DOU de 25/09/2023, que alterou a Portaria MPS/INSS nº 38, de 21/07/2023, ante o impacto para as empresas, de forma geral, e também para os cofres previdenciários.

A Portaria inicial  tinha por objetivo disciplinar as condições de dispensa da emissão de parecer médico conclusivo pela perícia médica (previdenciária) quanto à incapacidade laboral dos segurados e nortear a concessão dos benefícios de incapacidade nos casos em que a perícia presencial não pudesse ser realizada no prazo de 30 dias do requerimento, casos em que a verificação da incapacidade se daria por meio dos documentos apresentados pelo segurado naquela via eletrônica.

A possibilidade da perícia médica indireta e documental foi estendida para além daqueles casos inicialmente previstos em que não seria possível a realização da perícia presencial, o que se fez por meio da Portaria Conjunta MPS/INSS nº 38, de 21/07/2023. A partir de sua publicação, a possibilidade da realização da perícia documental passaria a ser uma opção do segurado, não vinculada à impossibilidade da perícia presencial.

Outra inovação importante: na Portaria inicial, de 2022, havia a ressalva de que não caberia a concessão do benefício na espécie acidentária, restrita à perícia presencial, restrição afastada posteriormente pela Portaria nº 38, que trouxe no parágrafo 3º de seu artigo 2º a possibilidade da caracterização acidentária nos casos em que houvesse a emissão de CAT pelo empregador. Confira-se:

Portaria Conjunta MPS/INSS nº 38, de 21/07/2023

“Art. 2º A concessão de benefício de auxílio por incapacidade temporária, com dispensa da emissão de parecer conclusivo da Perícia Médica Federal quanto à incapacidade laboral, será realizada por meio de recepção documental pelo INSS via canais remotos.
(…)

§3º A concessão de benefício por incapacidade temporária de natureza acidentária por meio documental será condicionada à apresentação de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) emitida pelo empregador.”

Pois bem, por força da atuação direta dos Sindicatos dos Bancários junto ao Ministério da Previdência e ao INSS, a redação acima foi alterada, sendo excluída sua parte final, permitindo como suficiente para a caracterização acidentária a apresentação de CAT, emitida por quaisquer dos legitimados. Confira-se a nova redação:

“§3º A concessão de benefício por incapacidade temporária de natureza acidentária por meio documental será condicionada à apresentação de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).

Vamos lembrar aqui quem são os legitimados à emissão da CAT: “o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública.” (Lei 8.213/91, Art. 22, § 2º)

Quais as nossas preocupações com essa alteração em relação às empresas?

  1. As CATs serão lançadas e acolhidas no sistema sem qualquer análise em relação à veracidade da incapacidade, dos fatos narrados ou do nexo nela denunciados;
  2. tal qual já ocorre hoje, os terceiros legitimados NÃO EMITEM as vias obrigatórias às empresas. Assim, as empresas não terão conhecimento de sua emissão. Provavelmente, somente serão informadas da acidentalidade quando da concessão do benefício na espécie acidentária (momento em que também não haverá a informação da CAT emitida), o que tornará necessário um acompanhamento mais amiúde desses afastamentos;
  3. já tínhamos uma preocupação que essa concessão virtual fosse utilizada como subterfúgio pelos trabalhadores recém desligados das empresas, permitindo-lhes requererem o benefício no curso do aviso prévio e, com isso, alcançarem a suspensão das rescisões. Agora, com a possibilidade da caracterização acidentária pela mera apresentação de CAT, além da reintegração, os trabalhadores em processo de desligamento alcançarão também a estabilidade acidentária prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91, pelo período de 12 meses contados da cessação do benefício, que poderá ser ainda renovada posteriormente mediante novo requerimento e concessão de um novo benefício acidentário;
  4. vislumbramos que essa possibilidade de emissão de CAT para todos os demais legitimados provocará uma elevação no número de benefícios concedidos na espécie acidentária, produzindo impactos trabalhistas e tributários (aumento da alíquota FAP), o que reforça a necessidade de um acompanhamento mais cuidadoso por parte das empresas;
  5. em relação à possibilidade de elevação tributária pelo aumento do FAP, devemos atentar também para o artigo 6º da Portaria, que assim nos traz:

“Art. 6º – Para os benefícios concedidos mediante o procedimento estabelecido nesta Portaria não se aplica o restabelecimento do benefício anterior, previsto no § 3º do art. 75 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, de 6 de maio de 1999.”

E aqui, torna-se necessária uma explicação.

Nos termos deste citado artigo 75, quando um mesmo benefício for concedido no prazo de 60 dias contados da cessação do benefício anterior, em decorrência do mesmo motivo que ensejou o primeiro afastamento, o INSS deveria repetir o número daquele primeiro benefício, como se tivesse havido sua prorrogação, resultando em duas consequências: a empresa não seria obrigada ao pagamento dos primeiros 15 dias quando do segundo afastamento e, não sendo concedido um novo número ao benefício, o novo afastamento não seria contabilizado no cálculo do FAP.

Agora, nos termos da redação da Portaria, que afasta a aplicação do referido parágrafo 3º do artigo 75, o novo afastamento ensejará a concessão de um novo benefício, com um novo número. 

Havendo um novo número, no extrato FAP constarão os dois benefícios, como se fossem distintos os motivos de seus afastamentos. Essa duplicidade de lançamento provocará a elevação do coeficiente de frequência e de gravidade e, por extensão, da alíquota FAP final.

Além da certeza de que tal medida provocará a elevação tributária, não fica afastada a possibilidade de a empresa vir a ser obrigada ao pagamento redundante dos primeiros 15 dias de afastamento, ante a concessão de novo benefício.

Sem qualquer sombra de dúvida essa Portaria se revela ilegal e inconstitucional por vários aspectos que passam pela caracterização dos acidentes, pela ofensa ao direito à ampla defesa e contraditório e também pelo descabimento em permitir uma elevação tributária pela mera opção do segurado em utilizar-se da via virtual ou presencial para requerer seu benefício.

Para além do impacto negativo para as empresas, causa-nos preocupação os impactos que essa nova Portaria trará para a própria Previdência.

A requisição de benefícios com a emissão de CAT afastará a carência exigida aos novos segurados do Regime Geral (para a concessão dos benefícios de incapacidade, exige-se a carência de 12 meses, nos termos do artigo 26, II, da Lei 8.213/91, que ficará afastada se o afastamento for acidentário).

Logo, fica evidente que, havendo a hipótese de emissão da CAT pelo próprio segurado, isso poderá ser utilizado com o objetivo de afastar a carência exigida, obrigando o INSS a conceder um benefício quando não haveria o direito do segurado a recebê-lo.

E mais ainda: o valor do benefício de incapacidade permanente acidentária será superior ao valor do benefício não acidentário, conforme disposto no Art. 26, §§ 2º e 3º da EC 103/2019, o que produzirá reflexos, inclusive, num eventual posterior benefício de pensão por morte, que será concedido ao dependente por um período maior que aquele que seria devido se o benefício não fosse acidentário (vide texto da Lei 8.213/91, artigos 75 a 77, com destaque para o parágrafo 2º deste último artigo). 

E, por fim: a concessão de um benefício de incapacidade temporária na modalidade acidentária poderá resultar na concessão indevida do um benefício indevido de auxílio-acidente previsto nos artigos 18 e 86 da Lei de Benefícios, o que não ocorreria se o benefício não fosse concedido como acidentário. 

A concessão deste benefício indevido, a ser pago de forma vitalícia ou até quando o segurado se aposentar representará uma nova fonte de gastos, desequilibrando ainda mais a balança do déficit da Previdência.

Fica evidente, assim, que o aumento indiscriminado no número de benefícios acidentários resultará no aumento dos gastos previdenciários, com prejuízo para toda a sociedade.

Quais medidas as empresas devem ou poderiam adotar?

Reiteramos que as empresas devam acompanhar com mais atenção os afastamentos de seus empregados, não deixando de se manifestar na via administrativa contra os nexos aplicados.

Considerando que essas CATs emitidas por terceiros serão irregulares, sobretudo pela ausência de investigação do nexo causal, outra medida igualmente importante a ser adotada pelas empresas é a impugnação das CATs quando delas tomar conhecimento, requerendo ao INSS a não caracterização acidentária.

De forma mais agressiva, será possível às empresas insurgirem contra os emitentes das CATs quando perceber que sua emissão se fez de forma leviana ou em desalinho às normas vigentes, sobretudo contra os médicos emitentes, nos casos em que tiverem emitido o documento sem observarem as Resoluções do Conselho Federal de Medicina.

Por fim, em nosso olhar, a presente Portaria ofende a legislação vigente no que concerne à caracterização dos acidentes do trabalho e das enfermidades laborativas, na medida em que afasta a investigação do acidente, assim como ofende o texto constitucional, por afastar ou dificultar a ampla e defesa e contraditório das empresas em relação ao nexo causal anotado nas CATs, que passa a ser agora atribuído unilateralmente por seus emitentes e acatadas pelo INSS, sem qualquer análise concreta do nexo causal, tornando necessária e urgente a insurgência judicial por parte das empresas, com o propósito de afastar as consequências indesejáveis que recairão sobre ela.


1 A primeira Portaria a trazer essa perícia indireta foi a Portaria Conjunta MTP/INSS n. 7, de 28 de julho de 2022, posteriormente alterada pela Portaria Conjunta MTP/INSS nº 47, de 29 de dezembro de 2022, que veio a sofrer nova alteração pela Portaria Conjunta MPS/INSS nº 38, de 21/07/2023.

2 Na prática, era possível ao segurado fazer a opção para a perícia presencial quando pretendesse ver reconhecido o nexo causal, ainda que a realização da perícia previdenciária fosse mais demorada.

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